sexta-feira, 23 de abril de 2010

Crase: quando usá-la?

Crase: quando usá-la?

O uso do sinal indicativo de crase é uma das dúvidas mais frequentes das pessoas. A crase (do grego "krâsis"= fusão) é o fenômeno de contração de sons vocálicos. Assinalada pelo acento grave, ocorre sobretudo quando se encontram a preposição "a" e os artigos femininos "a" e "as". Assim, é fácil deduzir que não há crase antes de verbos nem de palavras masculinas, pois são termos que não admitem anteposição de artigos femininos. É o que acontece também com a maioria dos pronomes.
A correta utilização do acento indicativo de crase é uma questão de análise do enunciado. Trata-se de averiguar se ocorre a preposição "a" e o artigo feminino "a(s)", antes, evidentemente, de uma palavra feminina.

Regras práticas

1ª regra prática: substitua a palavra feminina por uma masculina, de mesma natureza. Se aparecer a combinação ao, é certo que ocorrerá crase antes do termo feminino:

 Amanhã iremos ao colégio / à escola.
 Vou ao campo / à praia.

Veja abaixo alguns casos nos quais a substituição pelo substantivo masculino explicitou a não ocorrência do acento indicativo de crase (repare que o ao não aparece após a substituição).

 Convoquei as alunas / os alunos para a reunião.
 Fazer bem feito vale a pena / o esforço.
 Este molho cheira a cebola / a alho.


2ª regra prática: substituir verbos que transmitem a idéia de movimento (ir, voltar, vir, chegar etc.) pelo verbo voltar. Ocorrendo a preposição "de", não haverá crase. E se ocorrer a preposição "da", haverá crase:

 Vou a Roma. / Voltei de Roma.
 Vou a Curitiba e à Bahia. / Voltarei de Curitiba e da Bahia.


3ª regra prática: a regra do “quem”
Para saber se uma palavra ou verbo exige a preposição “a”, basta utilizar o método abaixo.

• A preposição "a" exigida por substantivos e adjetivos

Atento - Quem é atento é atento a ... - Atento à aula.
Contrário - Quem é contrário é contrário a ... - Contrário à guerra.
Devoção - Quem tem devoção tem devoção a ... - Devoção à santa.
Nocivo - Algo é nocivo a ... - Nocivo à saúde.


• A preposição "a" exigida por verbos

Aspirar (=desejar) - Quem aspira aspira a ... - Aspirar à meta.
Assistir (=presenciar) - Quem assiste assiste a ... - Assistir à cena.
Obedecer - Quem obedece obedece a ... - Obedecer à lei.
Visar (= ter em mente) - Quem visa visa a ... - Visar à meta.



EMPREGO DO ACENTO INDICATIVO DE CRASE

Casos obrigatórios

a) Antes de locuções adverbiais femininas: às vezes, à noite, à tarde, às pressas, às escondidas, à direita, à esquerda, à toa.
Ex.: O “show” começará à noite.

b) Antes de locuções prepositivas: à esquerda de, à direita de, à frente de, à moda de, à procura de, à mercê de, à custa de, à semelhança de, à beira de, à cata de.
Ex.: A polícia está à cata do assassino.

c) Antes de locuções conjuntivas: à medida que, à proporção que.
Ex.: À medida que contava sua versão dos fatos, ficava mais exaltada.

d) Antes das palavras CASA e TERRA, se vierem determinadas.
Exs.: Voltei à casa de meus pais depois de passar anos estudando fora.
Os astronautas voltaram à Terra.

e) Diante de pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s), aquilo sempre que forem antecedidos por verbos que exigem preposição A.
Ex.: Entregue àquele homem este pacote.

f) Diante de nome de alguns lugares usando a seguinte regra:
quem vai a e volta da crase haverá;
quem vai a e volta de crase pra quê?
Ex.: Vou à Itália na semana que vem.

g) Diante de numerais fazendo referência a horas.
Ex.: Precisamente, às 19 horas a aula começará.

h) Quando se subentende as expressões “à moda de”, “à maneira de” etc.
Ex.: Tinha preferência por sapatos à Luís XV.



Casos proibidos

a) Antes de verbos.
Ex.: O povo começou a gritar por justiça.

b) Antes de pronomes em geral.
Ex.: A ninguém mais eu diria palavras tão doces.

Nota:
● Pronomes pessoais: ele, nós, vós, eles; te, lhe, me, se, nos, mim, ti, si
● Pronomes demonstrativos: esta(s), essa(s), esse(s), este(s), isto, isso
● Pronomes possessivos masculinos: seu(s), teu(s), meu(s), nosso(s), vosso(s)
● Pronomes indefinidos: algum(a), nenhum(a), outro(a), pouco(a), muito(a), tanto(a), vários(as), qualquer, quaisquer, alguém, ninguém, algo, nada, tudo, cada, todo(a)
● Pronomes de tratamento: você(s), vossa alteza, vossa eminência, vossa excelência, vossa majestade, vossa senhoria etc.

Atenção: usa-se acento indicativo de crase antes destes pronomes: dona, senhora, senhorita, a qual, as quais, mesma(s), outra(s).
Exs.: O diretor apresentou-me à senhorita Clara.
Entregou à outra colega o livro.

c) Antes de artigo indefinido: um, uma, uns, umas.
Ex.: A discussão levou o gerente a uma situação insustentável.

d) Em locuções formadas por palavras repetidas: uma a uma, cara a cara etc.
Ex.: As folhas foram dadas uma a uma para cada participante.

e) Quando a preposição A estiver no singular, seguida de substantivo no plural.
Ex.: No ano passado, assisti a peças de teatro maravilhosas.

f) Quando as palavras CASA (lar) e TERRA (chão firme) não vierem determinadas.
Exs.: O garoto regressou a casa cansado.
O navio chegará a terra à noite.



Casos facultativos ou opcionais

a) Antes de pronomes possessivos femininos: sua(s), tua(s), minha(s), nossa(s), vossa(s).
Ex.: Todos nós estávamos à (a) sua procura.

b) Antes de substantivos próprios femininos.
Ex.: Diga à (a) Daniela que a prova será amanhã.

c) Após locução prepositiva ATÉ A.
Ex.: Foi até à (a) porta para despedir-se.


Comuns, entretanto, são os erros de colocação do acento indicativo de crase em expressões como "à partir de". Ora, "partir" é um verbo antecedido da preposição "a". Não havendo fusão de vogais, não se justifica o uso do acento.

Outras ocorrências:

 “Vendas à prazo”: é fácil ver que prazo, enquanto substantivo masculino, não pode ter um artigo feminino a, e portanto não leva acento indicativo de crase. Para formação de crase com um substantivo masculino, só com o uso do pronome aquele (ver uso obrigatório do acento indicativo de crase).

 “De segunda à sexta”: podemos, nesse caso, notar que segunda está sem artigo (de ); portanto sexta também deve estar sem artigo por uma questão de coerência. Podemos também fazer o teste substituindo por um substantivo masculino: ... de segunda a sábado.. Como não falamos ao sábado, não colocamos o acento de crase em a sexta. Fácil, não?



A crase e a ambiguidade

Em alguns casos, o acento indicativo de crase não reflete a existência de uma contração de vogais idênticas; ele é utilizado apenas para evitar a ambiguidade, a duplicidade de sentido.

 "Receber à bala" (receber atirando) para diferenciar de "Receber a bala" (ganhar uma guloseima).
 "Pintar à mão" (pintar com a mão) para diferenciar de "Pintar a mão" (passar tinta na mão).
"Cheirar à gasolina" (exalar o cheiro de gasolina) para diferenciar de "Cheirar a gasolina" (aspirar o cheiro da gasolina).
 “Venda à vista”: é de fácil percepção a possibilidade de duplo sentido na expressão. Daí a justificativa para uso do acento indicativo de crase, que não é empregado pela existência de duas vogais idênticas, mas apenas para evitar ambiguidade.

Fontes: "Gramática em textos" de Leila Lauar Sarmento e "Revista Língua Portuguesa".